FUNÇÃO ANSI 32
FUNÇÃO ANSI 32

FUNÇÃO ANSI 32

O Que É a Função ANSI 32?

A ANSI C37.2 é a norma que define os símbolos e números para as funções de dispositivos de proteção e controle. O número 32 é atribuído à proteção de Potência Direcional, que monitora e atua com base no fluxo de potência (ativa, reativa ou aparente) em uma direção específica. Diferente de uma proteção de sobrecorrente (ANSI 50/51), que atua com base na magnitude da corrente, a função 32 considera a direção do fluxo de energia.

aplicação mais comum é em sistemas de geração, como usinas solares, eólicas e mini-centrais hidrelétricas. Nesses casos, as concessionárias de energia exigem essa proteção para impedir a exportação excessiva de potência para a rede. Se a geração local superar a capacidade de carga da rede de distribuição, a função 32 atua para desconectar a fonte de geração.
Além disso, a função 32 é essencial para a proteção de máquinas elétricas, como motores e geradores. Ela pode ser configurada para monitorar tanto a potência de exportação (geração) quanto a de importação (consumo). Isso garante que a máquina não opere sob condições de sobrecarga ou sub carga que possam comprometer sua vida útil ou causar danos irreversíveis.

Por que a direção é tão importante?

Para ilustrar, imagine uma usina de minigeração que se conecta à rede. Em condições normais, ela exporta energia, ou seja, potência ativa, para a concessionária. Em caso de curto-circuito na rede, uma proteção de sobrecorrente identifica imediatamente a alta corrente e, como resultado, desconecta a usina. Esse é o comportamento esperado.

No entanto, em um cenário de ilha, a usina pode precisar importar mais energia do que produz. Nesse caso, um relé de sobrecorrente comum não consegue diferenciar o fluxo de potência. Por outro lado, a função 32 é projetada especificamente para distinguir entre a potência que sai da usina (geração/exportação) e a que entra (consumo/importação). Portanto, ela protege a usina contra condições de sobrecarga e, ao mesmo tempo, impede que a concessionária receba uma injeção de potência excessiva.


Princípios Técnicos: Triângulo de Potência e Elementos de Medição

Para que a função 32 opere, o relé de proteção precisa de informações de tensão e corrente para determinar o fluxo de potência e sua direção.

  • Medição: O relé recebe sinais de tensão de Transformadores de Potencial (TPs) e sinais de corrente de Transformadores de Corrente (TCs). A precisão desses sinais é fundamental para a correta atuação da proteção.
  • Triângulo de Potência: O fluxo de potência é determinado pela relação entre tensão e corrente. O cosseno do ângulo (θ) entre o fasor de tensão e o fasor de corrente é o que define o fator de potência.
    • Potência Ativa (P): É a energia que realiza trabalho. É calculada por P=V⋅I⋅cos(θ).
    • Potência Reativa (Q): É a energia necessária para a criação de campos magnéticos, essencial para o funcionamento de máquinas. Calculada por Q=V⋅I⋅sin(θ).
    • Potência Aparente (S): É a potência total fornecida ao sistema. S=V⋅I.

A função 32 utiliza esses valores para determinar a magnitude e a direção do fluxo de potência. Uma falha nos sinais de TP ou TC, como uma inversão de polaridade, pode levar a uma medição incorreta do ângulo (θ) e, consequentemente, a um disparo indevido do relé. Por isso, a correta instalação e parametrização são cruciais.

TC é um Transformador de Corrente (Current Transformer – CT), um equipamento usado para reduzir a corrente elétrica de um circuito para valores padronizados e seguros, permitindo medição e proteção sem expor instrumentos e relés a correntes elevadas.

TP – transformador de potencia – usado para reduzir a tensão elétrica de um circuito de alta tensão para valores padronizados e seguros que permitam medições e monitoramentos precisos com instrumentos e sistemas de proteção

Detalhes Técnicos e Variantes da Função 32

A norma ANSI/IEEE C37.2 define várias sub-funções para a proteção de potência direcional, que são representadas por letras adicionais. Essa diferenciação é fundamental para a parametrização precisa.

  • 32P: Proteção de Potência Ativa Direcional. É a variante mais comum, usada para monitorar o fluxo de potência em Watts (P).
  • 32Q: Proteção de Potência Reativa Direcional. Monitora o fluxo de potência reativa em VARs (Q). É crucial para geradores que operam com controle de fator de potência ou para proteger equipamentos sensíveis a fluxos de potência reativa excessivos.
  • 32R: Proteção de Potência Reversa (Reverse Power). Uma subfunção específica que atua quando o fluxo de potência ativa inverte o sentido. É usada para detectar a “motorização” de um gerador (quando ele passa a atuar como motor, consumindo energia da rede em vez de gerá-la), um estado perigoso que pode danificar a máquina.
  • 32L: Proteção de Baixa Potência de Avanço (Low Forward Power). Utilizada para atuar quando o fluxo de potência ativa em um sentido específico cai abaixo de um valor pré-determinado. Pode ser usada em sistemas de geração para detectar uma falha na fonte primária (ex: perda de vento em uma turbina eólica).

A norma também permite o uso de letras combinadas para descrever a função de forma ainda mais específica, como 32P/32R (proteção de sobrepotência ativa e reversa).


Figura 1: Gerador e suas tradicionais funções de proteção. SELINC

Parametrização em Relés de Proteção

A parametrização da função 32 varia entre fabricantes, mas segue os mesmos princípios lógicos. Vamos analisar como essa função é ajustada em três relés de proteção: REMP GD, SEL 751A e Siemens 7SR511.

Relé REMP GD (Mercado de Minigeração)

Este relé é mais simples e focado em aplicações de minigeração. Seus ajustes são diretos, focados na potência ativa (em Watts) e em um sentido de atuação.

  1. Habilita 32P: Permite a escolha do sentido:
    • 32e (exportação): Protege a rede contra excesso de potência gerada.
    • 32c (importação): Protege a instalação contra excesso de potência consumida.
    • 32e, 32c e 32L: Habilita múltiplos sentidos, inclusive para controle de carga.
  2. Potência Máxima de Exportação (Watts) / Tempo: Limite de potência e tempo de atuação.
  3. Potência de Rearme de String (Watts) / Tempo: Um ajuste avançado para sistemas com múltiplos inversores. Define o limite para desligar apenas uma “string” de inversores, evitando o desligamento total do sistema.

Relé SEL 751A (Sistema de Média Tensão)

O SEL 751A oferece maior flexibilidade, permitindo a parametrização em valores por unidade (p.u.) e a proteção de potência ativa e reativa.

  1. EPWR: Habilita a função, permitindo um ou dois estágios de atuação (3P1 ou 3P2).
  2. 3PWR1P ou 3PWR2P (Pickup): O valor de atuação é ajustado em p.u. O cálculo é feito dividindo o valor de potência desejado pela potência base do sistema.
    • Fórmula: Pickup=Poteˆncia BasePoteˆncia de Atuac¸​a˜o (W ou Var)​
    • A potência base é calculada com base na relação dos TCs e TPs ajustadas no relé.
  3. PWR1T ou PWR2T: Define a direção da atuação (importação ou exportação).
  4. PWR1D ou PWR2D: Ajuste do tempo de atraso para atuação.

Relé Siemens 7SR511 (Plataforma Avançada)

Este relé é um exemplo de flexibilidade. Sua parametrização é feita via software e oferece uma gama de ajustes detalhados.

  1. Operation (Sobre/Subpotência): Define se a proteção será de sobrepotência (se o fluxo exceder um valor) ou subpotência (se o fluxo cair abaixo de um valor).
  2. Power (Potência): Permite escolher qual tipo de potência será monitorada (ativa, reativa ou aparente).
  3. Dir. Control (Direção): Habilita o elemento direcional, crucial para diferenciar a exportação da importação.
  4. Setting (Ajuste): Ajuste em p.u. da potência nominal.
  5. VTS Inhibit (Inibição de Falha de TP): Uma funcionalidade de segurança crucial. Se houver falha nos sinais dos TPs, o relé pode bloquear a função 32 para evitar um disparo incorreto.
  6. UC Guard (Guarda de Corrente Mínima): Impede que o relé atue com correntes muito baixas. É útil para sistemas em que pequenas flutuações de potência podem ocorrer, evitando disparos desnecessários.

Como o Relé Direcional “Enxerga” a Direção da Potência?

A magia da função 32 reside no uso do elemento direcional. O relé utiliza a fase da corrente em relação à tensão para determinar a direção.

  • Potência Ativa (P): O relé compara o fasor de corrente com o fasor de tensão. Se o ângulo entre eles estiver em uma determinada faixa (por exemplo, ±90∘ em relação à tensão de referência), ele entende que a potência está fluindo em uma direção. Se o ângulo estiver na faixa oposta (90∘ a 270∘), o fluxo está na direção inversa.
  • Tensão de Polarização: Para que o relé determine a direção com precisão, ele precisa de uma referência de tensão estável, chamada de tensão de polarização. Em um sistema trifásico, a tensão de uma fase (ex: V-A) pode ser usada para polarizar a medição de corrente de outra fase (ex: I-B), para garantir que a proteção funcione mesmo em cenários de curto-circuito em que a tensão de uma fase específica pode colapsar.

Aspectos Críticos da Parametrização

Uma parametrização incorreta pode levar a disparos indesejados (falsos positivos) ou, pior, falhas na proteção quando ela é realmente necessária.

  1. Ajuste do Ângulo Direcional (Operating Angle): O ângulo de polarização é um dos ajustes mais importantes. Para potência ativa, o ângulo ideal de torque (Maximum Torque Angle – MTA) é 0°. Para potência reativa, é 90° ou -90°. A seleção correta depende do tipo de potência a ser monitorada.
  2. Pickup (Potência de Atuação): O valor de potência, em Watts ou VARs, que o relé deve exceder para iniciar a contagem do tempo de atuação. É calculado com base na potência nominal do equipamento e nas relações dos TCs e TPs.
  3. Tempo de Atuação (Time Delay): É o tempo que o relé espera após o valor de pickup ser excedido antes de enviar o comando de desligamento. Este ajuste é crucial para a coordenação com outras proteções e para evitar disparos em flutuações momentâneas.
  4. Bloqueios e Condições de Habilitação: Relés modernos oferecem funcionalidades para aumentar a segurança, como a inibição da função 32 em caso de falha nos TPs (VTS – Voltage Transformer Supervision). Isso evita que o relé atue indevidamente ao receber uma medição de tensão zero.

A função ANSI 32, portanto, se revela mais que uma simples proteção; ela é, na verdade, uma ferramenta sofisticada que garante a estabilidade, a segurança e a integridade de todo o sistema elétrico. Assim, o conhecimento detalhado de suas variantes e de sua parametrização, em conformidade com os padrões da IEEE, se torna um diferencial competitivo para qualquer profissional que trabalha com sistemas de potência.


Conclusão

A função ANSI 32 é uma proteção de alta seletividade e precisão, essencial para a segurança e a integridade de sistemas de geração e grandes máquinas elétricas. Sua correta parametrização, baseada em um sólido estudo de proteção, é vital para evitar acidentes, garantir a conformidade com as normas (como a NR-10 no Brasil) e manter a continuidade do serviço.

A diversidade de ajustes, como visto nos relés REMP GD, SEL 751A e Siemens 7SR511, demonstra que a escolha do equipamento deve ser feita com base na complexidade do sistema a ser protegido. Conhecer a fundo essas opções e as peculiaridades de cada fabricante é o que permite aos profissionais de engenharia elétrica projetar sistemas de proteção eficazes e confiáveis.